sexta-feira, 11 de abril de 2014

Então, você conhece a Bíblia?

Quando se põe a pergunta "você conhece a Bíblia?", muitos automaticamente pensam que se pergunta se eles conhecem as histórias ali narradas ou se são capazes de citar textos de memória, como se
faz nos "concursos bíblicos". Mas conhecer a Bíblia não é questão de memorização de textos, nomes ou incidentes narrados, mas de compreensão. Quando a mãe diz conhecer seu filho, não quer dizer que tem arquivada em sua memória uma série de dados biográficos sobre ele, mas antes que sabe como ele pensa, como e por que reage a estas e àquelas situações, quer dizer, que é capaz de entrar no mundo interior de seu filho, de vibrar com ele. De maneira igual, como a Bíblia é um conjunto de testemunhos vividos, não de dados informativos, como veremos, conhecer a Bíblia é entrar em seu mundo, é saber como e por que se relatou aquilo que se escreveu, é vibrar com seus autores.
Se você crê conhecer a Bíblia, trate de responder às seguintes perguntas com relação ao famoso relato chamado "sacrifício de Isaac", em Gênesis 22. Trata-se de uma história, de uma lenda ou de um mito? Por que se relatou? Quem tomou nota do diálogo entre Abraão e Isaac enquanto caminhavam a sós até o lugar do sacrifício? Deus falou com voz humana? É compreensível a mansidão do jovem Isaac ao deixar-se amarrar para ser sacrificado? Como entender que no v. 12 o anjo fale como se fosse o próprio Deus? Como se lembraram os narradores dos detalhes depois de mais de oito séculos transcorridos entre o tempo de Abraão (séc. XVIII a.C.) e o tempo em que se escreveram pela primeira vez (séc. X)?
Saber muitos dados da Bíblia não significa automaticamente conhecê-la, da mesma maneira que saber ler não significa compreender o que se lê. Muitos crêem que basta saber ler para compreender a Bíblia, como se fosse um jornal de ontem. Nem sequer lhes ocorre que os escritos da Bíblia datam de pelo menos mil e novecentos anos e que foram redigidos, a maioria, no Oriente Médio, com tudo o que isso implica. Só se começará a conhecer e compreender a Bíblia quando se estiver familiarizado com sua origem e com sua formação, quando se souber por que foram escritos os diferentes livros, e algo do mundo daqueles para os quais foram escritos diretamente, sua cultura e circunstâncias. Para conhecer e compreender a carta de São Paulo aos Gálatas, por exemplo, temos de familiarizar-nos com as circunstâncias sob as quais ele a escreveu, o que motivou o apóstolo (emissor) a fazê-lo, assim como as realidades culturais, políticas, religiosas e outras nas quais viviam os gálatas (receptores).
Para conhecer e compreender a Bíblia, deve-se possuir um mínimo de informação sobre ela, informação que ela mesma nos proporciona. Para ilustrar tudo o que se vem dizendo, algumas perguntas servirão de guia: Você sabia que a Bíblia contém muitos escritos e que estes são muito diferentes uns dos outros? Sabia que nem todos são história? Você sabia que esses escritos foram compostos por pessoas concretas, que viviam em tempos distintos e sob circunstâncias diferentes? Que sua composição vai do séc. X a.C. ao séc. I d.C., ou seja, que cobre um milênio? Você tomou conhecimento de que a mentalidade (sua ideia do mundo e do homem) de seus compositores é típica do Oriente Médio, muito diferente da nossa? Você sabia que muitos escritos foram compostos muitas décadas, alguns até séculos, depois que sucederam os acontecimentos narrados? E já pensou no que acontece quando algo é transmitido oralmente durante muito tempo de uma geração a outra? Você sabia que os escritos que constituem a Bíblia não foram escritos pensando em nós, mas para destinatários bem concretos, quer dizer, que não nos tinham em mente? Você poderia explicar por que tantas traduções da Bíblia? E poderia explicar por que em certos textos Deus aparece como vingativo e em outros como compassivo? Aliás, por que muda de opinião? Deus é temperamental? Por que temos duas histórias diferentes da monarquia de Israel (Samuel-Reis e Crônicas) e quatro Evangelhos diferentes, e não um só? Em poucas palavras, você sabe como se gerou e se formou a Bíblia? É o que queremos ver com atenção nas páginas seguintes.

Por onde começar?
Quando olhamos atentamente a Bíblia, vemos que ela contém muitos escritos: Gênesis ... Êxodo ... Reis ... Isaías ... Amós ... Salmos ... Evangelhos ... Isto significa que são escritos independentes uns dos outros, como um livro é independente do outro. No início, os escritos não estavam todos juntos, como os achamos hoje em nossa Bíblia. Por certo, o mais óbvio de tudo, a primeira coisa que constatamos ao ler um escrito da Bíblia é o fato de estar escrito em um idioma, com uma gramática - que lemos em uma tradução -, com maneiras de pensar e de expressar-se frequentemente distintas das nossas e que falam de situações, histórica e culturalmente, diferentes das que vivemos. Quer dizer, o mais evidente é sua dimensão humana.
O menos evidente a respeito da Bíblia é que ela é palavra de Deus ou que provém de inspiração divina, visto que afirmar isso pressupõe assumir uma atitude de fé: não é um dado objetivo. Prova disso é que nem todos reconhecem a Bíblia como palavra de Deus, mas a reconhecem como literatura. Afirmar que a Bíblia é produto de inspiração de Deus é atribuir uma qualidade que não é nem objetiva nem evidente em si mesma e que somente se admite com a fé, como pessoa que crê.

terça-feira, 8 de abril de 2014

APOSTOLICAM ACTUOSITATEM SOBRE O APOSTOLADO DO LEIGO

Capítulo lll

Os vários campos de apostolado
os leigos exercem o seu apostolado de muitas maneiras tanto na Igreja como no mundo:nas comunidades da Igreja,na família,com os jovens,o ambiente social,e a ordem nacional e internacional.Nos dias de hoje as mulheres estão cada vez mais ativas em toda a vida da sociedade e também nos campos do apostolado da Igreja.

As comunidades da Igreja
Como participantes do múnus de Cristo sacerdote, profeta e rei, os leigos têm a sua parte ativa na vida e ação da Igreja e sem os leigos torna muito difícil a ação litúrgica e não surte o mesmo efeito. Alimentados pela participação ativa na vida da sua comunidade,eles tomam solicitamente parte nas obras apostólicas e conduzem à Igreja os homens que por ventura andam afastados; colaboram zelosamente na transmissão da palavra de Deus,sobretudo no ensino da catequese; oferecendo a sua perícia, tornam mais eficaz a cura de almas e ainda ajuda na administração dos bens da Igreja. A paróquia, congregando todas as adversidades humanas que aí se encontram e inserido-as na universalidade da Igreja, oferece um exemplo claro de apostolado comunitário.

A família 
Os cônjuges são um para o outro e para os filhos e demais familiares cooperadores da graça e testemunho de fé. Para os seus filhos eles são os primeiros a pregar a fé e educadores; pela palavra e pelo exemplo, formam-nos para a vida cristã e ajudam-nos a escolher a vocação porventura descoberta. É dever dos cônjuges manifestar e provar pela sua vida, a indissolubilidade e santidade do vínculo matrimonial; afirmar o dever e o direito, conferido aos pais e aos tutores, de educar na fé cristã os filhos, defender a dignidade e autonomia da família. Entre as várias atividades do apostolado familiar temos: Adotar como filhos crianças abandonadas, receber os peregrinos, cooperar na orientação das escolas, assistir aos adolescentes com conselhos e com meios econômicos, ajudar os noivos a se preparar para o matrimônio, trabalhar na catequese, amparar os cônjuges e as famílias que estão em perigo material ou moral, ajudar os idosos não só com bens materiais mais ajuda-lós a levar uma vida mais digna e feliz.

Os jovens 
Os jovens exercem uma influência de máxima importância na sociedade atual. As condições sociais e política mostram que eles estão despreparados para receberem novos encargos. Esta influência crescente na sociedade exige deles atuação apostólica para qual a sua índole natural os dispõe. Com o amadurecimento da consciência e da própria personalidade, motivados pelo ardor da vida e por um dinamismo transbordante, assumem a responsabilidade própria, tomam parte da vida social e cultural, se é imbuído pelo espírito de Cristo e animado pela obediência e amor aos pastores da Igreja, podem esperar deles muitos frutos. Os adultos precisam estimular os jovens primeiro pelo exemplo, oferecendo oportunidades,dando bons conselhos e auxílio válido para que eles tenham confiança e possam crescer espiritualmente.

Social
O apostolado no meio social é o empenho de enformar de espírito cristão a mente e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vive. É de tal maneira obrigação dos leigos que nunca pode ser devidamente realizado por outrem. Aí completam o testemunho da vida pelo testemunho da palavra. Tanto no ambiente do trabalho,estudo,habitação,ou dos tempos livres,ou de convivência, eles estão em condições mais favoráveis de ajudar os irmãos .Os leigos realizam esta missão na Igreja do mundo,com a fé se tornam luz do mundo. Apto a resolver os conflitos,atraem todos pelo amor da verdade. Do bem e por fim a Cristo e à Igreja, pela caridade fraterna participar das condições da vida, do trabalho, das dores e aspirações dos irmão. Este apostolado deve abranger todos sem excluir nenhum. Muitas pessoas não podem ouvir o evangelho e conhecer Cristo, senão por intermédio dos leigos.

Ordem nacional e internacional
Abre-se um campo imenso de apostolado na ordem nacional e internacional, onde os leigos são ministros da sabedoria cristã. Na piedade para com a pátria e no fiel cumprimento dos deveres cívicos, os católicos sintam obrigados a promover o verdadeiro bem comum cobrando do poder civil que exerça com justiça e de acordo com os preceitos morais as leis que regem o País. Os católicos, peritos nos negócios públicos e devidamente firmados na fé e na doutrina cristã não recusem exercer cargos públicos e assim promover o bem comum e simultaneamente abrir caminhos ao evangelho. As pessoas que trabalham em outros países devem fazer um trabalho de intercâmbio fraterno em que cada um dá e recebe ao mesmo tempo. Os que saem do país sejam a trabalho, passeio ou descanso são mensageiros itinerantes de Cristo.

Os leigos na Igreja 
A Igreja de Jesus Cristo, desde a sua origem se organiza em ministérios para evangelizar. Investidos na missão do batismo, vivemos em nossas comunidades a experiência da comunhão e da participação através dos serviços. Eles nascem segundo os carismas e os dons que Deus confia ao seu povo e diante das necessidades de nossas comunidades, chamadas a edificar o reino de Deus. 

Missão do leigo
Nessa missão se destacam especialmente os cristãos leigos e leigas. Eles são chamados a tornar presente e ativa a Igreja em todos os lugares e circunstâncias, são presença-testemunho que faz a diferença na família, na sociedade e na comunidade. Como Igreja, somos enviados a fazer discípulo entre todas as nações, isto implica em adotar o padrão de Jesus para as nossas vidas e para a obra missionária. Como adotar esse padrão em meio a uma sociedade consumista, hedonista e egocêntrica? Precisamos aprender a modelar a nossa vida pelos padrões bíblicos que são muito diferentes daqueles promovidos pela sociedade ao nosso redor. 

Sem disposição para o sacrifício, onde falamos muito em missões, mas entendemos que isto vai pesar muito no nosso conforto, nosso bolso e até sobre nossa família. “Batizados a serviço da vida” São Paulo diz que quem é batizado se reveste de Jesus, imita Jesus, procura segui-lo em sua vida, fazendo de toda ela um serviço à vida. Os fiéis leigos são cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo. Através do nosso batismo nos tornamos homens da Igreja no coração do mundo e homens do mundo no coração da Igreja. Como batizados e chamados ao serviço da vida, os leigos tem uma missão de com o seu testemunho levar a palavra de Deus aos necessitados e contribuir para a transformação das realidades. Ajudando as pessoas desajustadas, afastadas, descrentes a encontrar um caminho. 

O espaço próprio de sua ação evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das artes, da vida internacional e outras realidades abertas à evangelização, como: o amor, a família, a educação das crianças e adolescentes, o trabalho profissional. Os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o testemunho de vida e em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e outras formas de apostolado, segundo a necessidade sob o guia de seus pastores. O ministério batismal, se expressa e se expande nessas três grandes áreas do agir cristão: Sacramento, palavra e caridade. Nós como comunidade, Somos responsáveis pela evangelização, somos todos evangelizadores e missionários. Não é só o padre, bispo e papa. Todos nos, juntos cada um com uma função diferente temos a missão de anunciar uma verdade: o reino de Deus. Não podemos esquecer-nos dos menos necessitados, dos marginalizados e excluídos da sociedade. 

O documento de Aparecida retoma e reafirma a posição do concilio vaticano ll de que os leigos são membros efetivos do povo de Deus e são Igreja. Duas são as dimensões da vocação laical; Os leigos são chamados a exercerem diversas ações na comunidade eclesial e em diferentes formas de apostolado. Devem dar seu testemunho de vida e assumir diversos ministérios e serviços na evangelização, na catequese, na animação de comunidades, na liturgia, dizimistas, pastoral da juventude, nos movimentos juvenis construindo o reino de Deus e buscando uma nova sociedade. 

Outra dimensão é de atuar no mundo, ”a vinha do Senhor.” Com a tarefa de ser fermento,seja pela ação transformadora na construção da sociedade justa e solidaria,conforme os critérios evangélicos. Missão vivenciada pelos leigos na: política, realidade social, economia, nos meios de comunicação, nos sindicatos, no mundo do trabalho urbano e rural, na cultura, na família e em tantas outras realidades. Os leigos (as) em união com seus pastores constroem a Igreja comunidade de fé, de oração, de caridade através de muitos serviços que realizam junto aos irmãos. Para realizar sua missão com competência e responsabilidade, os leigos necessitam de sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e adequado acompanhamento para darem testemunho de Jesus Cristo e dos valores do reino na vida social, econômica, política e cultural. João Paulo ll dizia-nos “a Evangelização do continente não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fieis leigos. (Exortação Apostólica Ecclesia in America, 44). 

É nossa missão bem como de Jesus Cristo a construção do reino de Deus. Somos chamados através de nosso Batismo a comprometermos com os mais fracos e mais necessitados. Um cristão deve assumir diante da sua comunidade o compromisso com a missão e com a construção do reino de Deus. Como nos diz São Paulo,” embora sendo muitos, formamos um só corpo em cristo.” E unidos a este corpo que devemos colocar-nos em missão. Deus chama cada um de nós a colocar em pratica os dons que recebemos para servirmos á Igreja com nossa diversidade. Do mesmo modo que ele elegeu os sete homens justos para o serviço do reino, Ele nos convida a sermos mais atuantes em nossa vida de cristão. O plano de amor a Deus para conosco é revelado na pessoa de Cristo, que se coloca conosco na missão. ”Missão de Cristo, Nossa Missão”.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O ministério leigo na Igreja

Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – “A Alegria do Evangelho”
(Papa Francisco) 2013

99. “Aos cristãos de toda comunidade do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandescente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais, animais e ajudais: 'Por isso é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros' (Jo 13, 35). Foi o que Jesus, com uma intensa oração, pediu ao Pai: 'Que todos sejam um só […] em nós [para que] o mundo creia' (Jo 17, 21). Cuidado com a tentação da inveja. Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos.



Escutatória (Rubem Alves)
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…
Tenho um velho amigo, Jovelino, que […] contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado”.
Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou”.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou”. E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

DECRETO APOSTOLICAM ACTUOSITATEM SOBRE O APOSTOLADO DOS LEIGOS

Importância e atualidade do apostolado dos leigos na vida da Igreja

1. O sagrado Concílio, desejando tornar mais intensa a atividade apostólica do Povo de Deus, volta-se com muito empenho para os cristãos leigos, cujo apostolado deriva da própria vocação cristã. A Sagrada Escritura demonstra abundantemente como foi espontânea e frutuosa esta atividade no começo da Igreja (At 11, 19-21: 18, 26; Rm. 16, 1-16; Fl. 4, 3).
Os nossos tempos exigem dos leigos um apostolado cada vez mais intenso e universal. O aumento crescente da população, o progresso da ciência e da técnica, as relações mais estreitas entre os homens, não só dilataram imenso os campos do apostolado dos leigos, em grande parte acessíveis só a eles, mas também suscitaram novos problemas como o afastamento da ordem ética e religiosa. Além disso, em muitas regiões onde os sacerdotes são poucos, a Igreja dificilmente poderia estar presente e ativa sem o trabalho dos leigos. 
CAPÍTULO I: A VOCAÇÃO DOS LEIGOS AO APOSTOLADO
Participação dos leigos na missão da Igreja
2. A Igreja nasceu para tornar todos os homens participantes da redenção salvadora, dilatando pelo mundo o reino de Cristo para glória de Deus Pai. Toda a atividade do Corpo místico que a este fim se oriente, chama-se apostolado. A Igreja exerce-o de diversas maneiras, por meio de todos os seus membros, já que num corpo vivo nenhum membro tem um papel meramente passivo. A Igreja, corpo de Cristo, “cresce segundo a operação própria de cada um dos seus membros” (Ef 4, 16). Não aproveita nem à Igreja nem a si mesmo aquele membro que não trabalhar para o crescimento do corpo, segundo a própria capacidade.
Existe na Igreja diversidade de funções, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo a missão de ensinar, santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Os leigos têm um papel próprio a desempenhar que é dar claro testemunho de Cristo e contribuir para a salvação dos homens. Eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como fermento o seu apostolado no meio do mundo.
Fundamentos do apostolado dos leigos
3. O dever e o direito ao apostolado advêm aos leigos da sua mesma união com Cristo cabeça. Com efeito, inseridos pelo Batismo no Corpo místico de Cristo, e robustecidos pela Confirmação com a força do Espírito Santo, é pelo Senhor mesmo que são destinados ao apostolado. Os sacramentos, sobretudo a sagrada Eucaristia, comunicam e alimentam neles aquele amor que é a alma de todo o apostolado. O apostolado exercita-se na fé, na esperança e na caridade, virtudes que o Espírito Santo derrama no coração de todos os membros da Igreja.
A espiritualidade dos leigos em ordem ao apostolado
4. A fonte e origem de todo o apostolado da Igreja é Cristo, enviado pelo Pai. A fecundidade do apostolado dos leigos depende da sua união vital com Cristo, segundo as palavras do Senhor: “aquele que permanece em mim e em quem eu permaneço, esse produz muito fruto; pois, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Esta vida de íntima união com Cristo na Igreja é alimentada pelos auxílios espirituais comuns a todos os fiéis e, de modo especial, pela participação ativa na sagrada Liturgia; e os leigos devem servir-se deles de tal modo que, desempenhando corretamente as diversas tarefas terrenas nas condições ordinárias da existência, não separem da própria vida a união com Cristo. 
É por este caminho que os leigos devem avançar na santidade com entusiasmo e alegria, esforçando-se por superar as dificuldades com prudência e paciência. Nem os cuidados familiares nem outras ocupações profanas devem ser alheias à vida espiritual, conforme aquele ensinamento do Apóstolo: “tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, tudo seja em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por Ele graças a Deus Pai” (Cl 3, 17). Esta vida exige o exercício constante da fé, da esperança e da caridade.
Só com a luz da fé e a meditação da palavra de Deus pode alguém reconhecer sempre e em toda a parte a Deus no qual “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28), procurar em todas as circunstâncias a Sua vontade, ver Cristo em todos os homens, quer chegados quer estranhos.
Impelidos pela caridade que vem de Deus, praticam o bem com relação a todos, sobretudo para com os irmãos na fé (Gl 6, 10), despojando-se “de toda a malícia e engano, hipocrisias, invejas e toda a espécie de maledicências” (1Pd 2, 1), atraem a Cristo todos os homens. O amor de Deus que “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm 5, 5), toma os leigos capazes de exprimir na própria vida o espírito das Bem-aventuranças. Seguindo a Cristo pobre, nem se deixam abater com a falta dos bens temporais nem se exaltam com a sua abundância; imitando a Cristo humilde, não são cobiçosos da glória vã (Gl 5, 26), mas procuram mais agradar a Deus que aos homens, sempre dispostos a deixar tudo por Cristo (Lc 14, 26). Finalmente, fomentando entre si a amizade cristã, prestam-se mutuamente ajuda em todas as necessidades.
Esta espiritualidade dos leigos deverá assumir características especiais, conforme o estado de civil ou familiar, situação de enfermidade, atividade profissional e social. Tenham também muito apreço à competência profissional, o sentido de família e o sentido cívico e as virtudes próprias da convivência social, como a honradez, o espírito de justiça, a sinceridade, a amabilidade, a fortaleza de ânimo, sem as quais também se não pode dar uma vida cristã autêntica.
O modelo perfeito desta vida espiritual e apostólica é a bem-aventurada Virgem Maria, rainha dos Apóstolos que se manteve unida a seu Filho e, de modo singular, cooperou na obra do Salvador.
CAPÍTULO II: OS FINS DO APOSTOLADO DOS LEIGOS
Introdução: a obra de Cristo e da Igreja
5. A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. O próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã.
O apostolado para a evangelização e santificação do mundo
6. A missão da Igreja tem como fim a salvação dos homens, a alcançar pela fé em Cristo e pela sua graça. Isso se realiza sobretudo por meio do ministério da palavra e dos sacramentos, especialmente confiado ao clero, no qual também os leigos têm grande papel a desempenhar, para se tornarem “cooperadores da verdade” (3Jo 8). É sobretudo nesta ordem que o apostolado dos leigos e o ministério pastoral se completam mutuamente.
Inúmeras oportunidades se oferecem aos leigos para exercerem o apostolado de evangelização e santificação. O próprio testemunho da vida cristã e as obras, feitas com espírito sobrenatural, têm eficácia para atrair os homens à fé e a Deus; diz o Senhor: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que vejam as vossas boas obras e doem glória ao vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 16).
O apostolado, contudo, não consiste apenas no testemunho da vida; o verdadeiro apóstolo busca ocasiões de anunciar Cristo por palavra. As palavras do Apóstolo: “ai de mim, se não prego o Evangelho” (1Cor 9,16) devem encontrar eco no coração de todos. 
E dado que no nosso tempo surgem novos problemas que ameaçam subverter a religião, a ordem moral e a própria sociedade humana, este sagrado Concílio exorta ardentemente os leigos a que, na medida da própria capacidade e conhecimentos, desempenhem com mais diligência a parte que lhes cabe na elucidação, defesa e reta aplicação dos princípios cristãos aos problemas de nosso tempo, segundo a mente da Igreja.
Instauração cristã da ordem temporal
7. A vontade de Deus com respeito ao mundo é que os homens, em boa harmonia, edifiquem a ordem temporal e a aperfeiçoem constantemente.
Todas as realidades que constituem a ordem temporal (os bens da vida e da família, a cultura, os bens econômicos, as artes e profissões, as instituições políticas, as relações internacionais e outras semelhantes, bem como a sua evolução e progresso) não só são meios para o fim último do homem, mas possuem valor próprio, que vem de Deus: “e viu Deus todas as coisas que fizera, e eram todas muito boas” (Gn 1, 31). Esta bondade natural das coisas adquire uma dignidade especial pela sua relação com a pessoa humana, para cujo serviço foram criadas. 
O uso das coisas temporais foi, no decurso da história, manchado com graves abusos. É que os homens, atingidos pelo pecado original, caíram muitas vezes em muitos erros acerca do verdadeiro Deus, da natureza do homem e dos princípios da lei moral. Daí a corrupção dos costumes e das instituições humanas. Também em nossos dias, não poucos, confiando em excesso no progresso das ciências naturais e da técnica, caem numa espécie de idolatria das coisas materiais, das quais em vez de senhores se tornam escravos.
Quanto aos leigos, devem eles assumir como encargo próprio seu essa edificação da ordem temporal e agir nela de modo direto e definido, guiados pela luz do Evangelho e a mente da Igreja e movidos pela caridade cristã; enquanto cidadãos, cooperar com os demais com a sua competência específica e a própria responsabilidade; buscando sempre e em todas as coisas a justiça do reino de Deus. 
A ação caritativa como distintivo do apostolado cristão
8. Cristo quis que as obras de caridade fossem sinais da sua missão messiânica (Mt 11, 4-5). A misericórdia para com os pobres e enfermos e as chamadas obras de caridade e de mútuo auxílio para socorrer as múltiplas necessidades humanas são pela Igreja honradas de modo especial.
O maior mandamento da lei é amar a Deus de todo o coração, e ao próximo como a si mesmo (Mt 22, 37-40). Cristo fez deste mandamento do amor para com o próximo o seu mandamento, e enriqueceu-o com novo significado, identificando-se aos irmãos como objeto da caridade, dizendo: “sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40). Assumindo a natureza humana, Ele uniu a si como família todos os homens e fez da caridade o sinal dos seus discípulos, com estas palavras: “nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35).
Estas obras se tornaram urgentes no nosso tempo, em que os meios de comunicação são mais rápidos, em que quase se venceu a distância entre os homens e os habitantes de toda a terra se tornaram membros em certo modo duma só família. A atividade caritativa deve atingir as necessidades de todos os homens a quem faltam sustento, vestuário, casa, remédios, trabalho, instrução, meios para uma vida digna, afligidos por desgraças, doenças, exílio ou a prisão. 
Este exercício da caridade deve considerar a imagem de Cristo, atendendo com grande delicadeza à liberdade e dignidade da pessoa que recebe o auxílio; não se deixe manchar a pureza de intenção com qualquer busca do próprio interesse ou desejo de domínios; satisfaçam-se antes de mais as exigências da justiça, nem se ofereça como dom da caridade aquilo que já é devido a título de justiça; suprimam-se as causas dos males, e não apenas os seus efeitos; e de tal modo se preste a ajuda que os que a recebem se libertem a pouco e pouco da dependência alheia e se bastem a si mesmos.

A mística da Formação Fundamental

Por que buscar na conhecida cena evangélica da caminhada de Jesus Ressuscitado com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) a inspiração básica que deve nortear nosso projeto de formação? Gostaríamos de justificar esta escolha, acentuando alguns aspectos da riqueza inesgotável que ali se encontra.



Como sabemos, Emaús começa como um caminho de fuga e deserção. Cléofas e seu companheiro (ou companheira) ficaram desiludidos, sem esperança, tristes, com o desfecho trágico da vida de Jesus. Seus olhos e seus corações estavam mergulhados na escuridão total e no fechamento da completa falta de fé. Não mais se entendiam. Cada qual tinha uma explicação diferente para os últimos acontecimentos. Haviam esbarrado no drama da cruz e não conseguiam digerir tamanho sofrimento e frustração . A única solução lhes parecia abandonar a comunidade de Jerusalém, esquecer todo aquele pesadelo e retomar a vida do passado. Jesus se tornara para eles um profeta fracassado, um semeador de sonhos... É fácil descobrir na experiência dos viajantes de Emaús o retrato das várias crises e desafios que os cristãos de todos os tempos e lugares são chamados a enfrentar, ao longo da caminhada de fé e da vivência em comunidade. Emaús, em seu lado dramático e sombrio, é um espelho no qual vemos refletidas muitas das angústias e incertezas que, por vezes, geram situações de desânimo e cansaço na vida de Igreja. Há pessoas que não conseguem lidar com tantos problemas e acabam se afastando.
Mas não é o aspecto negativo que a cena evangélica quer frisar. Pelo contrário, as sombras ajudam a realçar o lado luminoso vivido pelos dois companheiros naquela que se tornou a experiência marcante do encontro e da presença do Senhor Ressuscitado. Quando ambos se achavam no fundo do poço, Jesus veio em busca deles e lhes ofereceu ajuda. Aos poucos, foi-se revelando como o verdadeiro intérprete dos acontecimentos lançou nova luz sobre a escuridão dos fatos. Sua explicação de tal forma foi convincente que o coração se lhes abrasou. A esperança renasceu. A fé brotou mais forte do que nunca. A vida comunitária recuperou seu sentido. Eles perceberam que valeria a pena voltar a ser discípulo... ''Fica conosco, Senhor!" Neste convite-pedido dos caminheiros de Emaús já estava presente, embora de maneira ainda velada e inconsciente, aquela necessidade que experimentavam da presença do Mestre, que lhes daria apoio e orientação em sua busca do sentido da vida e no desejo de comunhão com Deus. É interessante que o verbo "ficar", aqui utilizado, é um dos verbos para descrever o discipulado, o seguimento de Jesus nos evangelhos. Talvez isso seja indício de uma certa ironia do narrador. Os dois que queriam distância de Jesus sem saber estariam pedindo a Ele a graça de voltarem a ser discípulos.
É esta "graça" do discipulado que nós desejamos favorecer na experiência de fé. Seguir Jesus, construindo o Reino de Deus, deve ser para nós um privilégio, uma oportunidade singular de crescimento e amadurecimento. Na vida cristã não basta fazer coisas, ser um tarefeiro do sagrado, um funcionário especializado em evangelização. Importa, antes de tudo, 'estar com Jesus' (cf. Mc 3,14), partilhar sua intimidade: ''fica conosco!". É preciso percorrer um caminho com o Mestre, acolher suas orientações e escutar sua proposta: "eu não chamo vocês de empregados, mas de amigos" (Jo 15,15). Emaús é um convite a perseverar no discipulado, a aprofundar o relacionamento com Cristo para não se frustrar diante dos embates e desilusões da vida. "Fica conosco" brota da necessidade de investir sempre mais nas estratégias de uma nova evangelização, alicerçada nas atitudes de Jesus com os discípulos de Emaús: partilhar o caminho (acertar o passo), ser presença comprometida e discreta, investir no diálogo e na escuta, participar da intimidade, alimentar o outro com a palavra e o dom de si, orientar para o valor da comunidade e da missão.
Sem dúvida, há um longo caminho a ser trilhado, que poderá trazer muitos frutos para uma vivência cristã mais madura e qualificada. (Extraído do Subsídio Revelação e Bíblia do Mons. Celso Murilo)